A aposentada Jeane Roberto Vieira Gomes, de 53 anos, estava prestes a realizar o sonho de fazer a reconstrução mamária. Era 2016 e já fazia dez anos desde a mastectomia, procedimento para retirada da mama por conta de um câncer. “Fiquei super contente, divulguei para a família, estava feliz”, conta. Ela se internou, dormiu no hospital, ficou em jejum. No dia marcado, já no centro cirúrgico, veio a notícia: não teria cirurgia, pois não havia material necessário. “Parece que o chão abriu e eu caí”, lembra.
O caso de Jeane não é o primeiro e provavelmente não será o último de mulheres que são diagnosticadas com câncer de mama, tratadas no Sistema Único de Saúde (SUS) e precisam fazer a reconstrução do seio. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), das 92,5 mil mulheres que retiraram a mama entre 2008 e 2015, 20% (18 mil) fizeram a reconstrução pelo SUS.
Na teoria, nas ocasiões em que a mulher não pode fazer o procedimento de imediato, ela deve ser encaminhada para acompanhamento e ter garantida a realização da cirurgia após alcançar as condições clínicas necessárias, segundo informou em nota o Ministério da Saúde. Porém, a realidade é outra.
“O médico não me informou sobre a cirurgia reparadora, se eu podia fazer. Eu só vim saber disso bem depois, quando participei do Grupo de Mama [Renascer]”, disse Jeane, que fez todo o tratamento na rede pública de Maceió, capital de Alagoas. Ela afirma que não foi orientada pelo médico a procurar o serviço posteriormente nem sobre como poderia conseguir uma prótese externa.
Para determinar o momento em que a cirurgia de reconstrução deve ser feita – e reforçar a lei que prevê o direito do procedimento às mulheres atendidas pelo SUS -, o governo federal aprovou em 2013 a Lei 12.802 que completa cinco anos nesta terça-feira, 24. Com essa legislação, a paciente tem direito a reconstruir a mama no mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia quando houver condições técnicas. Porém, o índice de procedimentos realizados ainda é baixo e quase não sofreu alteração desde que a lei entrou em vigor.
Segundo o Ministério da Saúde, foram realizadas 11.931 mastectomias e 3.411 reconstruções mamárias no SUS em 2013. Dados preliminares do ano passado mostram que pouco mudou: foram 10.186 mastectomias e 3.413 reconstruções. A pasta informa que a reparação é feita “com base em diversos fatores, como condição da área afetada, para evitar infecção ou rejeição da prótese, e a vontade da própria paciente”. Para especialistas da área, a reconstrução imediata é viável em 90% dos casos.
Uma pesquisa da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) apontou que 53,2% das mulheres que fizeram o tratamento contra o câncer no sistema público de saúde realizaram a reconstrução mamária. Na rede privada, o porcentual sobe para 74,8%.
Parte da explicação estaria na falta de informação. “Uma das questões é que elas não sabem que tem essa lei, e os hospitais que têm mais dificuldades para fazer a reconstrução imediata não oferecem isso para a paciente”, diz Maira Caleffi, presidente voluntária da Femama. Ela observa também que quanto menor o nível educacional da mulher, menor o nível de conhecimento sobre seus direitos.
A pesquisa foi realizada em maio de 2016 com 468 mulheres que passaram pela mastectomia. Elas eram de sete Estados de todas as regiões do Brasil, a maioria tinha entre 35 e 54 anos e pertencia às classes B e C. Do total, 27,6% declararam conhecer bem a lei, enquanto 38,5% conhecem pouco e 3,8% nunca ouviram falar. Das que conhecem bem, a maioria (72%) fez reconstrução da mama.
Obstáculos. Entre os motivos apontados na pesquisa para não realizar a reparação do seio estão: ‘fila de espera’; ‘não sabe se tem direito’ e ‘não fez por recomendação médica’. Outros problemas relatados pelas mulheres ouvidas pelo E+ são a falta de profissionais ou material cirúrgico, que foi o caso de Jeane. “Ele não teve consideração por mim. Como vai fazer a cirurgia e só sabe que não tem material no dia?”, questiona.
Joana Jeker dos Anjos, de 41 anos, também enfrentou essa dificuldade. Diagnosticada com câncer de mama em 2007, ela fez o tratamento no Rio de Janeiro e as duas primeiras cirurgias de reconstrução (volume e simetria) no Hospital Regional da Asa Norte, na capital federal. Mas não foi possível fazer aréola e mamilo por falta de condições administrativas.
“As cirurgias do médico eram constantemente canceladas, porque faltavam dreno, fio de sutura, anestesista, instrumentador cirúrgico”, relata. Incentivada pelo médico a buscar seus direitos, ela fez um abaixo-assinado no início de 2010, com as mulheres que aguardavam a reconstrução, para ampliar o setor de cirurgias plásticas no hospital. No fim daquele ano, após ter conseguido finalizar o procedimento de reparação, ela organizou uma manifestação em frente à instituição, que teve grande repercussão na mídia local.
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